Da série: Coisas ou carmas do Atlético
Por Max Pereira
2022 se foi prenhe de turbulências, fake news, fatalismos, crises econômicas e geopolíticas e com o leste europeu sacudido por uma guerra cruel e ainda sem perspectivas de paz. 2023 se inicia, e não poderia ser diferente, trazendo esperanças de um mundo melhor e, ao mesmo tempo, amargando uma herança indigesta do ano que o antecedeu.
Enquanto o futebol brasileiro e, em especial, a nação vascaína se despediam de Carlos Roberto de Oliveira, o Roberto Dinamite, maior ídolo cruzmaltino e maior artilheiro do Brasileirão de todos os tempos, as sedes dos três poderes em Brasília eram invadidas, depredadas e vandalizadas em um episódio ímpar, deprimente e assustador.
Se o novo Governo brasileiro está sendo pesadamente testado e desafiado, aqui nas Gerais e, guardadas as devidas proporções, o Atlético, fiel à sua tradição e à sua história, também tem desafios espinhosos pela frente e vem gerando prognósticos nebulosos em relação ao seu futuro. Mergulhado em suas idiossincrasias e crises costumeiras e deixando em suas ações e medidas mais perguntas do que respostas, mais dúvidas do que certezas, mais preocupações do que tranquilidade, o Glorioso, como sempre, é fonte inesgotável de inquietações e cobranças de seu torcedor.
O atleticano aprende desde que se dá por gente e se reconhece torcedor do Galo mais famoso e mais querido do mundo, que nada no Atlético acontece ou se conquista sem sofrimento. “Se não for sofrido não é Atlético”, vêm proclamando e decretando muitos ao longo dos tempos, enquanto outros tantos até curtem está “característica” de forma masoquista.
Sempre defendi que este “mantra” do sofrimento impregnado no DNA alvinegro, nada mais é que um “carma” fabricado e alimentado para justificar, minimizar e até mesmo esconder erros, equívocos e omissões havidos na condução do clube ao longo dos tempos e também para apequenar, desprezar e desviar o foco dos inúmeros e recorrentes ataques e ingerências de agentes externos diversos que, ao longo desses quase 115 anos de existência do Atlético, penalizaram e prejudicaram o clube, muitas vezes de forma irreversível.
Se o atleticano desde sempre aprendeu que para torcer para o Glorioso é preciso conviver compulsoriamente com o sofrimento e até mesmo aceitar derrotas e perdas de títulos nos tirados de forma heterodoxa e covarde, ele também vem aprendendo que é preciso aceitar tudo sem reclamar e sem cobrar e sendo obrigado a ver seu sentimento de atleticanidade ser recorrentemente atacado e alvo de tentativas torpes de desconstrução.
“Ah! São coisas do Atlético!”, é uma frase que escuto há anos. E o Galo que chegou em 2023 é rigorosamente produto de sua história. Assim é preciso que o torcedor atleticano perceba e entenda que é fundamental conhecer a história do clube, i.e., de onde ele veio e como veio, para se compreender onde ele está e como é e como está o Atlético de hoje.
Não sem razão o endividamento do clube permanece preso a uma espiral de crescimento aparentemente incontrolável e, por óbvio, este outro “carma”, gerado, alimentado e potencializado entra ano, sai ano, entra diretoria, sai diretoria, por razões diversas e, claro, muitas vezes em consequência de decisões e medidas carentes de planejamento, de cuidados e de diligência, precisa igualmente ser abordado e tratado com a seriedade e a inteligência que este “fenômeno” requer.
A venda do Shopping e seus desdobramentos, criticada com razões de sobra por muitos, é consequência de um enredo tortuoso no qual as contas do clube foram jogadas ao longo dos anos. O que acontecerá com a SAF e como ela será formatada serão consequências de todo este histórico conturbado do Atlético e, particularmente, da forma com a qual o endividamento do clube e também da Arena MRV serão tratados e equacionados por aqueles que, no momento, estão à frente da instituição.
Enquanto as dívidas do clube crescem em progressão exponencial em razão dos juros, o valor da venda dos 49,9% restantes do Shopping parece que não foi corrigido e/ou atualizado em razão da espiral inflacionária registrada durante estes meses em que o negócio ficou paralisado e inconcluso. Os prejuízos do clube com a postergação do negócio e, posteriormente, com a modificação nele introduzida, em princípio por exigência da Multiplan, são evidentes e dificilmente serão recuperados.
Criticável, também, a hipótese aventada de que no chamado termo de intenção de compra firmado pela Multiplan, que nada mais é do que um pré-contrato, não haveria cláusula de multa em caso de um eventual recuo da compradora. A recíproca seria verdadeira em caso de uma desistência do clube?
Em relação ao futebol, as chegadas e as saídas de jogadores têm canalizado a atenção da Massa atleticana. Aprovações e desaprovações, tão naturais nestes negócios, pululam aqui e ali. Apostas? Acertos? Erros? O tempo dirá.
Técnico novo, trabalho novo, grupo pontualmente reformulado. Particularmente, entendo que as críticas, aprovando ou não está ou aquela saída, devem se cingir a uma análise que não perpasse por agressões e ataques a quem está chegando e a quem está saindo, o que, infelizmente, vem ocorrendo ora aqui, ora ali.
Há que se destacar aqui que uma sentimento desagradável e preocupante vem sendo percebido por um número cada vez maior de torcedores, sempre que o Atlético anuncia, seja uma venda ou um empréstimo de algum jogador, seja uma contratação de algum atleta: a sensação de um mau negócio, a sensação de que o clube, como sempre, não consegue se livrar da sina de mau vendedor e de péssimo negociante, vez que, quase sempre, vê-se o clube subvalorizar ou depreciar os seus ativos e, ao mesmo tempo, supervalorizar os dos outros clubes.
O clube também anuncia reformulações e melhoramentos na base. A base atleticana há tempos vem clamando por cuidados e projetos, cuja inexistência tem produzido prejuízos esportivos e financeiros incalculáveis para o clube. Entre as medidas mais urgentes e necessárias, a criação de um projeto de formação e de transição e a ampliação e a qualificação dos números de olheiros, se destacam estrondosamente. A base da base é a qualidade do investimento. O Atlético além de investir pouco em relação a outros clubes, historicamente tem investido muito mal em suas categorias de base.
Sejam coisas do Atlético, sejam carmas como muitos acreditam, toda herança maldita tem que ser enfrentada e seus efeitos reduzidos a pó. Aqui entram os próceres atleticanos com a sua missão institucional de bem gerir o clube e aqui entramos nós atleticanos que não podemos jamais abdicar da nossa missão de vigiar, criticar construtivamente, cobrar e questionar.
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