Quando o comprometimento com a organização tática se equipara, a qualidade técnica prevalece
Por: Hugo Fralodeo
No clássico de ontem, o Atlético encerrou a pré-temporada e ‘abriu’ a temporada, passando pelo primeiro bom teste de 2022. Com a mudança no comando técnico, a perda de um dos pilares na defesa e a adição de algumas novas peças, há a curiosidade e a expectativa para começar a enxergar os novos ajustes e o que se mantém da forma de jogar do time campeão. O clássico de série A revelou muito, mostrando coisas boas, coisas novas e até uma ou outra que ainda precisa de maior atenção, mas, no geral, foi uma grande dose de ‘mais do mesmo’: o adversário tenta dificultar o jogo para o Galo, que não se desespera, mantém a pegada, aí a qualidade técnica superior vai lá e resolve. Turco realmente está tentando manter o Galo como Galo.
Temos que falar da organização e da disposição, então temos que começar pelo lado do América. A ordem de Marquinho Santos era clara: tentar quebrar os mecanismos já conhecidos do Atlético e fazer nossos homens se sentirem desconfortáveis. Quando falo em desconforto, quero dizer pressão para que se mude a forma de jogar. O América tinha propostas “simples”, pressionar a saída de bola para atrasar as tramas do Galo ou pelo menos ‘sujar’ e quebrar o início da construção, por isso foram escalados dois homens mais de área; além disso, com o meio-campo povoado, o América queria tirar a mobilidade do Galo, sendo que o setor do Galo é muito fluido pela dinâmica, os meio-campistas são volantes, meias e se tornam atacantes com poucos movimentos. Igualando o setor numericamente, o América teria condições de proteger melhor a última linha, pois os Atleticanos até se moviam, mas não abria espaços, porque o coelho se compactava muito rápido, já que fazia uma barreira entre o o meio-campo do Galo e tinha facilidade para aproximar as linhas, impedindo também os avanços laterais do Galo; com essa aplicação sendo bem executada, a última cartada do América para travar o jogo também teria sucesso, Marquinhos Santos pensou esse jogo com um objetivo muito claro: afastar Hulk e os principais jogadores do Galo de perto do seu gol. Já que a construção de jogadas era prejudicada, seria mais fácil proteger sua área afastando dela quem tem mais condições de decidir, porque o América só dava duas opções ao Atlético, tocar a bola e tentar se aproximar para ficar encaixotado, ou partir para jogadas individuais, tendo que percorrer muito campo, já que estávamos mais longe do gol. Ao não sofrer gols, o América venceu o primeiro tempo.
A questão é que os jogadores do Galo têm a mesma, senão maior, aplicação tática que os americanos, se conhecem há mais tempo e executam seu modo de jogo também há mais tempo. O dedo de Turco fez diferença quando percebeu que, se o América queria afastar seus jogadores da área, tentava dificultar sua mobilidade, mas lhes dava a opção de tentar resolver ‘sozinhos’, ele teria que colocar mais jogadores que tinha condições de decidir em poucos toques, além de obrigar os americanos a perseguirem as principais armas do Atlético. Se Hulk estiver longe do gol, alguém vai ter que correr até ele, se Arana estiver mais solto, idem, se Keno e Savarino abrem mais o campo, além de correrem para tentar bloquear, não daria para cochilar em nenhum segundo, a partida do América teria de ser perfeita, senão, em um lance, Keno constrói a jogada individual, serve Nacho que assiste com um lance de craque e Arana abre o placar em um lugar “que não deveria estar”, lugar que ele chegou só porque o contragolpe de Turco foi dar tranquilidade e liberdade à turma, para que eles próprios construíssem os gols e a vitória, ao modo deles, como Atlético.
Não precisamos falar do jogo físico, das provocações, das paralisações e de tudo isso que permeia um clássico. Vimos tudo isso antes e veremos muito durante os grandes jogos da temporada. O América foi muito bravo ao competir e Marquinhos Santos foi muito inteligente ao montar seu time para literalmente parar o Galo. Mas o Atlético sempre terá consciência tática e, pelo menos, o mesmo comprometimento com sua organização, a diferença é que a qualidade técnica tende a prevalecer. Se um adversário vier a enfrentar o Atlético por “uma bola”, ele provavelmente vai ter uma finalização de fora, um cruzamento perigoso e mais um ou outro lance, com nossa defesa saindo muda de campo, sem sustos, quando o Atlético tiver “uma bola”, tem 11 em campo que podem decidir nessa única bola.