Desmistificando o Sampaolismo: A tática de Jorge Sampaoli
Por Hugo Fralodeo
Que ele não repete uma vez sequer os onze iniciais, já sabíamos, mas, adivinhar as escalações de Sampaoli, já se tornou brincadeira e até tema de bolões. Ao sair a escalação para o jogo contra RB Bragantino, onde ele surpreendeu até quem já se prepara para receber suas surpresas, ao lançar uma escalação bem mexida. Muitos questionaram a presença dos 3 zagueiros e 3 laterais de origem, mas, demorou para a turma perceber que isso não mudou o posicionamento nem a proposta da equipe. Mais recentemente, na partida contra o Atlético-GO, a alteração no início do 2º tempo, trocando um meio-campista por outro e um lateral por um zagueiro, também causou estranheza aos primeiros olhares, pois, como um time que precisa virar o jogo, lança mais um zagueiro na tentativa de ser mais ofensivo?
Depois do debate, a ideia de que façamos um exercício para entender os conceitos que Sampaoli utiliza para montar seu jogo de posições. Alerta de spoiler, vamos ver que, independente de qual jogador estiver em campo, de sua posição de origem, ou função pedida pelo comandante, o posicionamento base e o modelo de jogo, permanecem inalterados.
MOMENTO OFENSIVO
PARTE 1 – POSIÇÃO DE ORIGEM x POSICIONAMENTO x FUNÇÕES
Para começar, aqui, precisamos nos desapegar da nomenclatura e da função/posição de origem, além de deixarmos um pouco de lado os números tradicionais de esquemas, como 4-4-2, 3-5-2 ou 4-2-3-1 e, concentrarmos mais nas características, funções e posicionamento dos jogadores, para entendermos que um jogador pode ser escalado em determinado espaço do campo, mas não significa que ele vá cumprir a função característica e “comum” da posição. É notório que os jogadores do Atlético estão em constante movimentação, mas, eles partem de um posicionamento base.
Geralmente, Sampaoli “divide” o Atlético em 3 linhas sempre muito altas: 2 jogadores na base do segundo terço do campo, com mais 3 logo à frente, a chamada zona de construção e cobertura preventiva; posicionada no último terço, a última linha com 5 jogadores, sendo 3 mais centrais, na zona de definição e dois abertos, dando amplitude. Dividido em linhas (2-3-5), em triangulações, no desenho, se formam, mais ou menos, dois dáblios (WW).
OS SETORES
ZONA DE CONSTRUÇÃO E COBERTURA PREVENTIVA
Onde o jogo começa, na saída. Sampaoli se baseia no conceito da “saída Lavolpiana”, estilo de saída de bola implementada pelo treinador mexicano La Volpe, que chamou atenção na copa do mundo de 2006, consistindo numa saída sempre com 3 jogadores, para fazer superioridade numérica (aumentar o número de jogadores em relação ao adversário), seja com um jogador da linha à frente (lateral ou meio-campista), um zagueiro de origem “a mais”, ou mesmo o goleiro, se apresentando para sempre ter um jogador a mais para buscar uma saída com passes mais limpos e fugir da eventual pressão adversária.
A saída é a origem de tudo e se torna fundamental o trabalho de atrair mais jogadores para abrir espaços, já pensando no ataque com passes curtos e mais rapidez. Uma saída limpa, leva a uma construção mais fluida e rápida. A constante movimentação e troca de posições, aliado ao apoio dos companheiros, nesta fase do jogo, permite aos jogadores que se posicionam na segunda linha, fazerem uma melhor e mais clara leitura dos espaços à frente. Essa dinâmica, faz com que o time progrida sempre buscando a melhor opção para a jogada. Neste ponto, a aproximação, a compactação em bloco e os automatismos dos movimentos, aliado ao entrosamento, gerados nos treinos, são determinantes. Mas, precisamos entender as funções que o posicionamento dos jogadores nas linhas os obrigam a exercer.
Já vimos que quem estiver na base do jogo, será responsável pela saída. Aqui a ordem é movimentação e passe, lançamentos e inversões, sempre buscando um companheiro bem posicionado, com o maior espaço aberto possível. Seja zagueiro, lateral, volante, ou o goleiro, o jogador posicionado nesta primeira linha, na parte ofensiva, terá a função de iniciar a construção.
Na segunda linha, ainda na zona de construção, geralmente também formada por 3 jogadores, ainda com intensa movimentação e passes rápidos, a complementação da saída, dá aos jogadores posicionados aqui, a função de preparar o terreno, carregando e dominando o território, empurrando o adversário para cada vez mais perto da zona de definição. Quanto mais altas as linhas, mais congestionado o setor fica, portanto, mais jogadores da primeira linha se aproximam, sempre na busca pela superioridade numérica, que vai manter a fluidez do jogo. Por isso, é muito comum os zagueiros de Sampaoli, como principal exemplo, o paraguaio Jr Alonso, aparecerem muito nesta fase. Assim, mais uma vez, independentemente da posição de origem, quem estiver por ali será um construtor; passando e, algumas vezes, carregando a bola.
ZONA DE DEFINIÇÃO + AMPLITUDE
Chegamos aos “finalmentes”, aqui é onde as fases anteriores se justificam. Na zona da definição, como o próprio nome já deixa claro, é onde, por meio da criatividade, movimentação, dinâmica e, também com improviso, o jogo chega ao objetivo primordial, o gol.
A ordem aqui é dinâmica. Os jogadores de lado, se mantêm sempre bem abertos para dar amplitude, o que vai ajudar a espaçar a defesa, criando brechas para quebrar as linhas. Quem estiver pelo centro, se movimenta muito, sempre lendo o jogo, para ter a rápida percepção de qual o melhor caminho para buscar a definição. Atacar a defesa, recuar para abrir espaços para infiltrações, passes rápidos, dribles, arremates e qualquer movimento que a criatividade permita, faz com que os homens aqui, sejam meio-campistas, meias, meias-atacantes, segundos atacantes ou mesmo centroavantes, se tornem todos mais participativos na missão de definir as jogadas. Não importa quem faça o gol ou dê os passes decisivos, o mais importante é a movimentação, na tentativa de desorganizar o adversário, ler os espaços criados, para escolher a melhor opção ao definir a jogada, tudo para chegar ao gol.
PARTE 2 – A CARACTERÍSTICA DA POSIÇÃO DE ORIGEM EM FUNÇÃO DO POSICIONAMENTO EM CAMPO
ZAGUEIROS, OS PRINCIPAIS JOGADORES?
No estilo de jogo posicional, assumindo uma postura extremamente ofensiva, vimos que é cobrado dos defensores, que se posicionam na zona de construção, que eles não apenas defendam, mas sejam preponderantes para a saída, se tornaram os jogadores que mais pegam na bola. Jr Alonso, é o jogador com maior número (142) e maior média (12,82 p/ jogo) de passes para o último terço do campo em todo o brasileirão, segundo o Galo estatísticas. Isso reforça a ideia apresentada por Igor Rabello na inter-temporada, onde em entrevista, declarou que Sampaoli cobrava para que eles fossem os principais jogadores em campo. O time funcionando como organismo, impede um zagueiro mais lento e experiente como Réver de ser pego de surpresa, além de propiciar um jogador que não é da posição, como Fábio Santos, ser escalado por ali.
MEIO CAMPISTAS, CAMALEÕES
Comas transformações no futebol moderno, a diminuição do espaço é a grande cara deste “novo” jogo, então a dinâmica é o que manda no futebol por agora. Os jogadores têm tido muito menos espaço para participar do jogo, mas, o campo não diminuiu, então eles têm que ter essa dinâmica maior para cobrir o maior espaço possível, foram obrigados a se tornarem mais versáteis. A regra é ajudar na saída de bola, manter a posse se movimentando e passando com qualidade, preencher os espaços dando opção de passe aos companheiros e infiltrando a área para dar número ofensivo, e também finalizar, dar assistências e marcar. Se o meio-campo se torna o setor mais povoado, justamente pela imposição do território, o jogo acaba sendo desenvolvido e concentrado a partir dali. Se há mais jogo no meio campo, os defensores (zagueiros e laterais), que tenham qualidade e inteligência para se posicionarem e fluírem o jogo.
ATACANTES ABERTOS, O JOGO SE INICIA NA BASE, MAS TUDO É FEITO PARA LEVAR ÀS PONTAS
Amplitude, a palavra mais pedida aos homens que passam por ali. Quem está no lado, na última linha, deve abrir o campo, principalmente na tentativa de desorganizar a defesa, criando espaços para infiltrações e passes que vão quebrar as linhas. É muito comum lançamentos e viradas rápidas, buscando os homens de lado, para coloca-los em condições de enfrentar menos defensores e gerar espaços com dribles, ou contornando a linha defensiva por fora. Keno se destaca, tem o maior número de dribles no 1×1 (81) no brasileirão, além da maior porcentagem de sucesso nesses dribles (68%), segundo o Wyscout.
ATACANTES CENTRALIZADOS, NÃO SÃO FEITOS SÓ DE CENTROAVANTES E GOLS
Pressionar a saída, abrir espaços atacando a defesa e se movimentando, tocar mais na bola e ajudar a construir o jogo, tornaram os centroavantes mais completos e proporcionou a utilização de jogadores, nessa posição, sem essa característica tão marcante dos centroavantes, empurrar a bola para o gol. Quem joga por ali tem que fazer o gol, correto? Mas a realidade é que, em 90 minutos, um jogador pega por 5 na bola, quando muito. Os jogadores têm segundos de finalização em partidas inteiras, participam muito mais sem a bola. Com Sampaoli, nos acostumamos a ver atacantes que abrem mais espaços para os companheiros, dão mais assistências e também contribuem mais com a marcação, além de, claro, sempre marcando gols. Não importa quem componha o ataque, numa linha de 5 jogadores, quem estiver por ali, contribui para a definição. Com bola rolando, todos os 14 gols do Atlético no brasileirão, foram marcados por um dos jogadores que atuaram nessa última linha, na zona da definição.