Por: Hugo Fralodeo
O ano era 1994 e o Atlético vinha de uma temporada desastrosa em 93, sendo o pior time do Brasileirão daquele ano. Com o apoio do político Newton Cardoso, Afonso Paulino, presidente à época, não poupou dinheiro nem esforços para montar uma verdadeira seleção. Neto, Renato Gaúcho, Éder Aleixo, Gaúcho, Adilson Batista, Darci e Luiz Carlos Winck se juntavam à jovem promessa Renaldo, para serem os grandes nomes do time comandado por Vantuir Galdino. O início foi até promissor, mas a ‘SeleGalo’ é lembrada até hoje como um dos maiores fiascos da história Atleticana.
No PODFALAGALO #006, Paulo Roberto Prestes, lateral-esquerdo e capitão daquele time, ídolo com mais de 500 partidas disputadas pelo Atlético e campeão da Copa Conmebol de 1992, contou histórias da época, o processo de ‘montagem’ do time, bastidores e o grande motivo do fracasso da famigerada ‘SeleGalo’.
ESTRELAS CONTRATADAS E SALÁRIOS ATRASADOS
Paulo relembrou como foi a construção do time, a partir da contratação dos sete nomes, revelando o atraso salarial dos jogadores que já estavam no elenco:
“Que decepção essa SeleGalo! Na época, acho que foi 3 milhões que o ‘Newtão’ meteu no Galo e o Atlético contratou Renato Gaúcho, ‘Craque’ Neto, Adilson Batista, Gaúcho, Luiz Carlos Winck e o Éder. Eu cheguei para o Afonso Paulino, que era o presidente na época, porque a gente estava com 3, 4 meses de salários atrasados e eu falei: ‘Como é que você está fazendo essa seleção aí, (contratando) esses jogadores, e a gente aqui?!’ Ele respondeu: ‘Esse dinheiro que o Newton Cardoso emprestou é para montar o time, não tem nada a ver com vocês’. E eu falei: ‘Mas como que eu vou ficar com três meses de salário atrasado, a galera toda, funcionários… e os caras com salário em dia?! Presidente, você está maluco!’”
Adilson, Gaúcho, Luís Carlos Winck, Renato e Neto
A partir de sua cobrança ao presidente, Paulo ainda revelou, com muito bom humor, que quase foi às vias de fato com Paulino:
“Como é que um time desses vai andar, se meia dúzia de funcionários recebe e a outra meia dúzia, não? Não tem condições de você lutar a mesma coisa que o cara que está ganhando em dia. Ele (Paulino) falou que não era da minha conta, que era o dinheiro do Newton Cardoso. Eu estava na sala do presidente na sede, quase sai na pancada com ele. Levantamos da mesa e começamos a bater boca.”
O PRIMEIRO TREINO COM OS NOVOS COMPANHEIROS
Paulo declarou que desde a primeira impressão deixada pelos novos companheiros, sabia que o time não encaixaria. Ele revelou sua conversa com o treinador Vantuir, logo após o primeiro treino do novo grupo:
“Veio o primeiro coletivo, aquela invasão, todo mundo querendo ver o Galo. Terminou o treino, o Vantuir Galdino, que era o treinador, veio falar comigo: ‘E aí, o que você achou?’ Eu falei: ‘Uma porcaria, esse time não vai’. Bicho, ficava Neto, Renato Gaúcho, Gaúcho e o Éder também não corria muito, quero dizer, esses caras ficavam morcegando lá na frente e nós quatro, cinco lá atrás se matando. Os caras só queriam pegar a bola e fazer gol, ficar na boa. E time não funciona assim. Futebol, naquela época também, todo mundo tem que dar um pouco mais na marcação, na pegada. Não é só oba oba, na hora que a bola chega, você quer arrancar para frente. Todo mundo tem que ajudar.”
‘CRAQUE’ NETO
Uma das grandes contratações foi a de Neto, que já era ídolo do Corinthians, jogador de Seleção Brasileira e considerado um dos grandes craques brasileiros dos anos 90 a atuar no país. Paulo contou como foi a chegada do ex-jogador, que hoje é um dos maiores comunicadores do país, quando se fala em mídia esportiva:
“O Neto, na realidade, quando ele chegou para treinar, nós estávamos no interior fazendo pré-temporada. Ele chegou magro, falou que tinha ficado numa clínica de emagrecimento. Eu falei ‘Oh, o cara vai chegar fininho.’ Mas um dia ele entrou na sauna do hotel fazendo que a gente estava, daqui a pouco (pega) um sanduíche desse tamanho assim (gesto de medida). Eu falei: ‘Que isso, cara?!’ O Neto: ‘Não contra pra ninguém’ (risos). Porque ele sempre teve tendência para engordar, ele me falou: ‘Paulo, se eu tomar um copo d’água, eu engordo.’”.
Neto em jogo pelo Campeonato Brasileiro de 94
O RACHA NO VESTIÁRIO
Como já parecia certo, Paulo revelou o racha no grupo e ainda apontou o motivo que considera primordial para esse desentendimento entre os jogadores:
“Mas não houve também uma interação de grupo, de vestiário. Esse grupo foi rachado. Nitidamente rachado, não tinha nem como. Principalmente quando veio para ser o treinador Valdir Espinosa. Aí que desandou mesmo. Porque a gente fazia um treinamento forte e ele só dava moral para a galera dele. Aí que foi mesmo a gota d’água, rachou tudo.”
POSTURA DO ÍDOLO ÉDER
Éder Aleixo, já um dos maiores ídolos da história Alvinegra à época, retornava ao Galo depois de uma temporada no lado errado da Lagoa. Paulo contou como o ‘Bomba’ se portou em meio ao racha no elenco:
“O Éder sempre foi muito Atleticano, ele era muito mais para o nosso lado. Ao contrário do que o povo pensa, que o Éder era mulherengo, saia para a noite, ele nunca foi disso. (Era explosivo) no campo, fora do campo era um cara muito tranquilo. Ele não tinha aquela coisa da pegada de um marcador, não era a dele. Mas ele foi muito profissional nesse sentido. Até que ele ficou.”
CHEGADA DE LEVIR
No primeiro momento, o time até rendeu. Estreou com uma boa vitória em cima do Valério Doce, por 3×0, pelo Campeonato Mineiro, onde Neto e Renato marcaram seus primeiros gols. Dali para frente, o rendimento caiu e Vantuir caiu após a primeira derrota, para o Democrata de Valadares. Para seu lugar, Levir Culpi chegava, em sua primeira passagem pelo comando técnico do Galo.
Levir Culpi instruindo Renato e Gaúcho
Paulo Roberto revelou como Levir começou a mexer no time e que uma atitude de Levir foi o último ato de Renato Gaúcho no Atlético:
“A primeira grande oportunidade, quando começou a se desmanchar essa SeleGalo, foi o Levir Culpi que veio, o primeiro grande clube que ele pegou foi aqui, o Galo. Eu me lembro de um episódio muito engraçado nesse sentido, quando o Levir chegou, a gente estava na concentração, 3, 4 horas antes do jogo, você tem aquela preleção com o treinador para você ir pro campo. Aí o Levir escalou o time, não lembro qual era o time certo, aí o Renato Gaúcho falou: ‘Eu tou no banco?!’ O Levir, ‘Sim, tá no banco!’ Ele (Renato) falou: ‘ Tchau pra vocês.’ Pegou a malinha dele e foi embora. Ali foi o último episódio dele no Galo. Não jogou mais no Galo, teve a rescisão, não tinha como, foi embora. O cara levantar da preleção e ir embora porquê está no banco….”
Renato Gaúcho em jogo pelo Brasileirão de 1994
DEBANDADA, FIM DA ‘SELEGALO’ E RECUPERAÇÃO
A partir daí, a porta se abriu e as estrelas começaram a sair. Segundo Prestes, a reunião do grupo após a saída das estrelas foi o diferencial para a guinada na temporada:
“Aí começou a debandada. O Levir Culpi começou a montar o time no qual a gente chegou na semifinal do Campeonato Brasileiro, se não me engano. Saímos da repescagem. Foi uma remontagem do time no início do Campeonato Brasileiro. Foi uma situação muito difícil na época, mas o grupo se uniu, saíram essas estrelas todas e o time andou.”
A ‘SeleGalo’, com Belmiro
O Atlético foi à repescagem do Campeonato Brasileiro e saiu dela para as quartas de final, fase que bateu o Botafogo. Na semifinal, caiu diante do Corinthians, terminando o Brasileirão de 94 no quarto lugar.
Antes de ir às quartas, o Galo teve que passar pela repescagem. No último jogo, o Galo só precisava de um empate contra o Bragantino para se garantir. Sobre essa partida, Paulo Roberto contou uma história curiosa:
“Teve um jogo antes, para a gente sair da repescagem, a gente precisa de um empate contra o Bragantino. Nós fomos jogar lá em Bragança Paulista, aí eu cheguei para o lateral do Bragantino, que era da seleção na época, e falei: ‘Bicho, 0x0 vocês se classificam e nós também, então vamos segurar a onda. E começamos, ninguém atacava muito o outro, porque, pô, 0x0 os dois estão dentro do Campeonato Brasileiro de novo, saia da repescagem. Daqui a pouco o Renaldo vai lá e faz um gol. Aí eu falei ‘Renaldo, pelo amor de Deus, cara, 0x0 aqui tá bom pra todo mundo’ (risos). Acabou que o jogo ficou 1×1 e nós saímos da repescagem do Brasileiro”.
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